quinta-feira, 23 de abril de 2009

"Amor, paixão também é cultura."

Amor é fogo que arde sem se ver ...

Amor é fogo que arde sem se ver,
é ferida que dói, e não se sente;
é um contentamento descontente,
é dor que desatina sem doer.

É um não querer mais que bem querer;
é um andar solitário entre a gente;
é nunca contentar-se de contente;
é um cuidar que ganha em se perder.

É querer estar preso por vontade;
é servir a quem vence, o vencedor;
é ter com quem nos mata, lealdade.

Mas como causar pode seu favornos
corações humanos amizade,
se tão contrário a si é o mesmo Amor?


Luís Vaz de Camões


Amor, paixão também é cultura...

A expressão de qualquer sentimento requer de seu emissor profunda sensibilidade no manuseio das palavras, que ordenadas racionalmente, irão penetrar na intimidade dos leitores, desvendando seus anseios, tornando-os vulneráveis ao um mesmo sentimento, que compartilhado, se faz único, embora tenha seus descompassos...

Neste poema, Luís Vaz de Camões buscou analisar o sentimento amoroso racionalmente, por meio de uma operação de fundo intelectual, racional, valendo-se de raciocínios próximos da lógica formal. Mas como o amor é um sentimento vago, imensurável, Camões acabou por concluir pela ineficácia de sua análise, desembocando no paradoxo do último verso. O sentir e o pensar são movimentos antagônicos: o sentir deseja e o pensar limita, e, como o poeta não podia separar aquilo que sentia daquilo que pensava, o resultado, na prática textual, só podia ser o acúmulo de contradições e paradoxos. Essa feição contraditória e o jogo de oposições aproximam Camões do Maneirismo e, no limite, do Barroco.

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